terça-feira, 22 de julho de 2008

Metacognição

Abaixo, há um texto sobre metacognição, conceito hoje imprescindível em qualquer processo de aprendizagem, principalmente para os educadores que são mediadores de aprendiagem. Espero que seja uma boa leitura.


6. A LUZ NO FIM DO TÚNEL: A METACOGNIÇÃO
Jacques Grégoire*

Por ora, de acordo com o estágio atual de nossos conhecimentos, não há certeza quanto às diversas habilidades e às estratégias cognitivas terem sido "pedagogizadas" a um ponto tal que possam ser aprendidas ou ensinadas para serem eventualmente tratadas como simples objetos de regulação. Romainville (1993), por exemplo, pôs em dúvida, num certo sentido, a possibilidade de treinar sujeitos no uso de estratégias de estudo (p. 38 e seguintes). Será que a crítica se aplica também a um outro registro de habilidades diversas? Os textos revisados não são explícitos a esse respeito; porém, pode-se inferi-lo facilmente no caso da obra de Tardif (1992), que trata mais especialmente do ensino de estratégias. Atualmente, entretanto, muitas variáveis de interesse que alimentam o discurso das ciências cognitivas são tratadas, na maoria das vezes, no quadro de pesquisas exploratórias ou na testagem da eficácia de programas de intervenção junto a clientelas com problemas ou em dificuldade. Se a importância.a ser dada a essas variáveis (pode-se pensar aqui, por exemplo, no sentimento de eficácia pessoal ou na atribuição causal) fizesse com que devam situar-se acima de todo programa de formação, elas seriam, então, a matéria-prima da avaliação" diagnóstica muito mais do que da avaliação formativa. logo, a "educabilidade" de certas características começa a manifestar-se no horizonte de nossas preocupações. É esse o caso notadamente das mudanças feitas no sistema de atribuição causal dos indivíduos em relação a uma estrutura de feedback ou de notação mais personalizada, criterial até em certos casos (Oren, 1983; Covington e Omelich, 1984; McColskey e leary, 1985; Butler e Nisan, 1986). Tardif (1992) relata vários estudos que teriam obtido resultados positivos para o ensino de estratégias de resolução de problemas (p. 251 e seguintes). Essas são apenas, é claro, pistas de reflexão e seria preciso dedicar- lhes muito mais espaços, o que os limites deste texto não autorizam.
De todos os elementos postos em evidência nos últimos anos, um parece persistir e até resistir a todas as correntes: trata-se da auto-avaliação. Embora certas pessoas tenham acreditado estar assistindo à em.emergência de um modismo, elas podem agora modificar sua percepção, pois tornou-se um pólo de atração muito documentado e seria difícil, para não dizer impossível, dar conta da abundância dos trabalhos que a trataram. No quadro deste texto, que fique claro que a auto-avaliação pode muito bem ser vista como uma modalidade de apropriação da avaliação formativa, mas também (e alguns diriam primeiro e antes de tudo) como um instrumento indispensável para qualquer empreendimento de formação. Assim é que havia de ser interpretada a concepção desenvolvida por certos pesquisadores de Aix-en-Provence, nos meados dos anos 80 e, durante o encontro dos mais proveitosos, tomei a liberdade de utilizar o rótulo de "avaliação formadora" para apontar para uma concepção da avaliação formativa muito distinta da dos pioneiros. A idéia de fazer da avaliação formativa uma habilidade a ser desenvolvida nos alunos, um saber ser, foi muito bem elaborada e defendida por Nunziati (1990).
Em sua evolução como conceito, ao longo dos anos, a auto-avaliação tem mostrado cada vez mais como um fio condutor e um lugar de necessidade que impõe cada vez mais à metodologia da avaliação formativa. Ninguém, hoje I dia, com efeito, poderia contentar-se com uma abordagem global e superficial que faria da auto-avaliação um simples caso de impressão geral ou um estado espírito do qual o indivíduo tivesse maior ou menor consciência. No quadro certas pedagogias de situação, a vimos ser transplantada a produções complexas; porém concretas, tais como as encontradas no campo do ensino profissional (I exemplo, no Quebec) ou ainda no francês como língua materna. O conceito "objetivação das práticas de comunicação", tal como entendido no programa francês (ensino fundamental e médio) do Ministério da Educação do Quebec, claramente era e ainda é dessa ordem. No entanto, para encurtar um pouco a história e a evolução das idéias, a noção de auto-avaliação parece ter sido associada inicialmente com a de produção elaborada que o aluno deve realizar num contexto de relativa autonomia (cf. Leselbaum, 1982). Como será a auto-avaliação pelo aluno de seus conhecimentos sem passar por um julgamento baseado na impressão? Como será a auto-avaliação de certas habilidades cognitivas que podem ser demarcadas com provas de correção objetiva? Há de reconhecer-se entanto, que, durante vários anos, o discurso e a prática da auto-avaliação têm permanecido bastante impermeáveis a essas diversas realidades. A noção de "metacognição" veio dar um enfoque novo à luz de todas t questões. Saber que se sabe fazer, parece cada vez mais estar à base da auto-avaliação. Avaliar-se (ou auto-avaliar-se) a respeito de uma tarefa levando-se em conta vários critérios ou várias coisas é uma coisa; avaliar-se com o fim de elaborar gestos de natureza corretiva, com o fim de ajustar-se (e fala-se aqui em regulação feita pelo próprio indivíduo, isto é, a auto-regulação) é coisa totalmente diferente. Tal avaliação deve ser realista ou ainda conduzida com justiça. Assim dito uma certa brutalidade, a metacognição entra muito provavelmente em jogo, auto-avaliar-se com justiça é exatamente saber que se sabe (quando se sabe) ou que não se sabe (quando não se sabe). Talvez seja assim que Allal (1993) trata do processo de regulação metacognitiva e do lugar que o mesmo deveria ocupar na avaliação formativa pelo aluno. O autor propõe um esboço que poderia revelar-se útil para articular um processo de auto-avaliação: uma fase de antecipação posta por atividades de previsão para orientar a ação, uma fase de controle consiste num processo contínuo de comparação entre um estado dado e um resultado a ser alcançado (monitoramento) e uma fase de ajuste (a regulação propriamente dita). Nesse paradigma, cabe à avaliação formativa apoiar diversos níveis de auto-regulação (Allal, 1993, p. 88-89). Outro aspecto interessante há de ser destacado ao situar-se a metacognição no cerne de uma prática de avaliação formativa que faz dessa uma habilidade fundamental a ser desenvolvida nos alunos. Segundo a opinião explícita de certos pesquisadores, a metacognição parece cada vez mais suscetível a ser “educável” ou ainda a "pedagogizável" além do mero fato de ela desenvolver-se com a idade. Em alguns autores que têm chamado a atenção sobre esse ponto, fala-se em "conscência metacognitiva” (Noël, 1991) ou em “tomada de consciência de seu funcionamento (Romainville, 1983). Essa consciêncIa pode ser objeto de treinamento ou de ação pedagógica, e, nessa perspectiva, Romainville insistiu muito sobre a importância do feedback ou retroinformação (1993, p. 59-60).
Para recapitular, brevemente...
Ao mesmo tempo em que mantiveram o rumo sobre a regulação da aprendizagem, os(as) especialistas do discurso sobre a avaliação formativa têm-nos proposto savoir-faires variados que refletem muito bem diversas concepções da pedagogia, bem como diversas representações do que deve ser objeto de ajustes ou regulagens. Vimos com uma certa rapidez que as primeiras versões metodológicas deviam responder aos imperativos de uma pedagogia centrada em objetivos bem circunscritos com, além disso, a preocupação em democratizar o melhor possível o domínio desses objetivos. O advento de pedagogias mais complexas, centradas objetos igualmente complexos (por exemplo, aprendizagem por problema ou pedagogia de situação) têm abalado um tanto quanto uma metodologia que não soube firmar-se como tradição. Nessa dinâmica de constante mudança de definição e orientação é que o campo das ciências cognitivas tem conseguido influenciar e influenciará ainda mais a prática da avaliação formativa. Não que esse tipo de avaliação se torne alterado conceitualmente!
Na ordem de suas apropriações é que devemos antes dirigir toda a nossa atenção. A auto-avaliação, a responsabilidade de suas aprendizagens e de sua progressão pelo aluno e, no melhor dos casos, a possibilidade do próprio aluno elaborar suas próprias ações de regulação é, sem contradição possível, a apropriação mais significativa. Embora características relativamente novas surjam do discurso das ciências cognitivas (conhecimentos declarativos, processuais, condicionais, etc.), a metacognição já se apresenta como um centro de interesse tanto para a pesquisa dos próximos anos como para a prática pedagógica. A avaliação formativa só poderá beneficiar-se com a junção entre o processamento mais aprofundado dessa consciência de seus processos cognitivos ou de suas abordagens por parte do aluno, do estudante, por um lado, e os fenômenos de auto-avaliação e auto-regulação que já foram evidenciados há vários anos.

*GRÉGOIRE, Jacques
Avaliando as Aprendizagens: os aportes da psicologia cognitiva, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas Sul, 2000, p.166-168